"Descendo a ladeira". Professor Roberto Boaventura analisa os resultados do Enem para a Mato Grosso

DESCENDO A LADEIRA

De início, aos que apreciam a MPB, o título deste artigo pode estabelecer analogia com pelo menos duas músicas. Em uma, “Sá Marina”, de W. Simonal, “descendo a rua da ladeira.../ cheirando a flor de laranjeira.../ de saia branca costumeira/ fez o povo inteiro cantar...”. Já em “Lá vem o Brasil descendo a ladeira”, de Pepeu Gomes e Moraes Moreira, é dito que “Quem desce do morro/ Não morre no asfalto.../ Na bola, no samba, na sola, no salto.../ Na sua escola é a passista primeira.../ No equilíbrio da lata não é brincadeira...”.

Enaltecimentos poéticos à parte, o fato é que o Brasil está descendo a ladeira, sem freios, sem obstáculos para amortecer o tombo, sem poesia. E a ladeira a que me refiro é um dos pilares de qualquer estado dito moderno.

Os recentes resultados do Exame Nacional do Ensino Médio, que também serve para várias universidades, como forma de ingresso em cursos superiores, continuam comprovando a realidade. Excetuando ilhas que ainda preservam alguma qualidade no ensino, o restante é de arrepiar.

Para Mato Grosso, tais resultados deveriam servir como mais um alerta. Há algum tempo, já antevi em artigo que nosso estado poderá atingir a nota zero antes de vários lugares do Brasil.

Infelizmente, essa antevisão não é delírio. Se não vejamos: a melhor escola do estado (Maxi), da rede particular, perdeu mais de 38 pontos em relação ao exame anterior. Entre o Maxi e a segunda colada (Escola do Farina), também particular, a diferença é de dezesseis pontos. Já entre a segunda e a quarta colocada, que é a primeira dentre as públicas (IFET-Campus Cuiabá), a diferença é de apenas sete pontos.

Outro elemento apontado é que nenhuma escola do estado está entre as cem melhores do país. Das dez melhores daqui, apenas duas são públicas: ambas – IFETs – são federais. Acontece que, pela realidade de tais institutos, evidenciada na última greve, ocorrida junto com as universidades federais, a tendência também é de que os IFETs venham a perder qualidade de ensino.

Da realidade da rede federal, destaco os seguintes itens: a expansão irresponsável das atividades, imposta pelo governo federal (PT), a fim de angariar votos das camadas populares e se perpetuar no poder; o assédio moral; a sobrecarga de atividades e os baixos salários de seus docentes. Esses problemas poderão dificultar tais institutos de se manterem por muito tempo nas atuais colocações.

Agora, olhando os resultados do Enem de baixo para cima, as escolas estaduais são as “melhores” colocadas. E não por falta de aviso e tentativa de diálogo público com a Secretaria de Educação.

Em recente matéria do G1/MT, o diretor da escola avaliada como a pior do estado, localizada em VG, apontou alguns dos problemas que levaram aquela unidade à desconfortável situação.

Sem maiores problemas de estrutura física, mas com alguns registros de violência escolar, a questão mais complexa está dentro da sala de aula. O diretor afirma que a imposição da escola ciclada é o grande responsável pelo caos, pois – quando não impossibilita – isso dificulta a retenção dos estudantes que não absorveram os conteúdos.

Essa sustentação da ignorância em efeito dominó tem outro elemento não lembrado pelo diretor: a “enturmação”; ou seja, sustentada na lógica da inclusão, isso pressupõe que um aluno de idade “X” deve estar na série correspondente àquela idade. O aprendizado é o que menos importa. É inclusão pela inclusão. Assim não há elevação de nível.

E o que diz a SEC? Nada. Como sempre.

Uma dúvida: será que a SEC se delicia com essa descida da ladeira?

Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT

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