"DE MALUQUINHOS A EMBURRECIDINHOS" Professor Roberto Boaventura analisa o “emburrecimento endêmico”
Neste artigo eu ainda poderia falar da greve das federais de ensino superior; afinal, o movimento continua forte e o governo Dilma/PT insiste em não dialogar. Somado a isso, alhures, como na UnB, há sindicalistas pelegos golpeando a categoria. Em outros (Federal da Bahia), os professores retiraram de cena uma diretoria pelega. A efervescência é geral. Todavia, hoje, apresentarei outras preocupações.
Começo destacando a entrevista (leia aqui) que Ziraldo – escritor que se especializou para contemplar nossos “meninos maluquinhos” – concedeu para o Uol Notícias, de 14/08. Sob o título “Muitos pais não percebem, mas seus filhos se tornaram idiotas”, afirmação daquele escritor durante a entrevista, o jornalista Guilherme Solari construiu importante matéria, da qual destaco a ênfase dada por Ziraldo ao processo de “emburrecimento endêmico da sociedade”.
Claro que Ziraldo não disse novidade. Particularmente, eu também já falei a respeito e, sempre que posso, reafirmo. Em geral, minhas reflexões partem da canalhice acadêmica – e também endêmica – de colegas que afrouxam o ensino da norma padrão da língua portuguesa em todos os níveis de ensino. Com essa postura, estão condenando os mais pobres também à eterna indigência cultural.
Agora, quando o tema é tratado por um grande escritor, melhor. Dessa condição, Ziraldo disse que “a família brasileira não lê...; que a internet pode ser a fonte do conhecimento, mas o computador é usado como brinquedo. Muitos pais não percebem, mas seus filhos se tornaram idiotas... Bote um livro na mão de seu filho e ensine o domínio da leitura. Se ele não dominar isso, só vai dar certo se souber jogar futebol ou dar porrada para entrar nesse UFC”. Claro que, além disso, ele poderia ainda ter falado desses grupos de pagode/sertanejo e de funk.
Mais adiante, depois de dizer que “o livro é o objeto mais perfeito da história da humanidade”, Ziraldo – contrariando opiniões – afirmou que “a criança não muda nunca”; as tecnologias é que mudam.
Claro que concordo com o escritor; todavia, se eu pudesse reparar algo, diria que antes de os filhos se tornarem idiotas, muitos pais já os antecederam na tal condição. Já estamos em pleno curso de um processo cíclico social; e não sei se reversível, pois a noção da Paideia – à lá gregos antigos – parece ter sido rompida no Brasil.
Mas para piorar esse “emburrecimento endêmico”, as novas gerações vêm sendo treinadas há décadas à exacerbação do preconceito e de posturas socialmente chulas. Sempre que posso imputo parte desse treinamento à personagem Didi, encarnada por Renato Aragão.
Didi sempre se mostrou preconceituoso contra pretos, mulheres obesas e gays. O último dos exemplos ocorreu – pasmem – no “show” do Criança Esperança (19/08). Num diálogo bizarro com Dedé, e parafraseando um dito popular, após falar várias vezes que gostava muito de mulher (obviamente que não das gordas), aquela decadente personagem disse que “mais vale um homem feio na mão do que dois homens bonitos se beijando”.
Outro “show” de preconceitos vários, de debochado machismo e da extrema apologia ao chulo ficou por conta da entrevista com Mr. Catra, personagem central do Profissão Repórter/Globo, de 14/08, e do funk feito por ele e semelhantes. As letras daquilo são tão chulas que pelo menos uma palavra foi censurada algumas vezes no programa. A palavra censurada estabelecia rima perfeita com os finais das palavras “preta” e “maçaneta”(!).
Conclusão: quando o emburrecimento toma conta de um povo, o chulo vira arte. Virou!
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
Começo destacando a entrevista (leia aqui) que Ziraldo – escritor que se especializou para contemplar nossos “meninos maluquinhos” – concedeu para o Uol Notícias, de 14/08. Sob o título “Muitos pais não percebem, mas seus filhos se tornaram idiotas”, afirmação daquele escritor durante a entrevista, o jornalista Guilherme Solari construiu importante matéria, da qual destaco a ênfase dada por Ziraldo ao processo de “emburrecimento endêmico da sociedade”.
Claro que Ziraldo não disse novidade. Particularmente, eu também já falei a respeito e, sempre que posso, reafirmo. Em geral, minhas reflexões partem da canalhice acadêmica – e também endêmica – de colegas que afrouxam o ensino da norma padrão da língua portuguesa em todos os níveis de ensino. Com essa postura, estão condenando os mais pobres também à eterna indigência cultural.
Agora, quando o tema é tratado por um grande escritor, melhor. Dessa condição, Ziraldo disse que “a família brasileira não lê...; que a internet pode ser a fonte do conhecimento, mas o computador é usado como brinquedo. Muitos pais não percebem, mas seus filhos se tornaram idiotas... Bote um livro na mão de seu filho e ensine o domínio da leitura. Se ele não dominar isso, só vai dar certo se souber jogar futebol ou dar porrada para entrar nesse UFC”. Claro que, além disso, ele poderia ainda ter falado desses grupos de pagode/sertanejo e de funk.
Mais adiante, depois de dizer que “o livro é o objeto mais perfeito da história da humanidade”, Ziraldo – contrariando opiniões – afirmou que “a criança não muda nunca”; as tecnologias é que mudam.
Claro que concordo com o escritor; todavia, se eu pudesse reparar algo, diria que antes de os filhos se tornarem idiotas, muitos pais já os antecederam na tal condição. Já estamos em pleno curso de um processo cíclico social; e não sei se reversível, pois a noção da Paideia – à lá gregos antigos – parece ter sido rompida no Brasil.
Mas para piorar esse “emburrecimento endêmico”, as novas gerações vêm sendo treinadas há décadas à exacerbação do preconceito e de posturas socialmente chulas. Sempre que posso imputo parte desse treinamento à personagem Didi, encarnada por Renato Aragão.
Didi sempre se mostrou preconceituoso contra pretos, mulheres obesas e gays. O último dos exemplos ocorreu – pasmem – no “show” do Criança Esperança (19/08). Num diálogo bizarro com Dedé, e parafraseando um dito popular, após falar várias vezes que gostava muito de mulher (obviamente que não das gordas), aquela decadente personagem disse que “mais vale um homem feio na mão do que dois homens bonitos se beijando”.
Outro “show” de preconceitos vários, de debochado machismo e da extrema apologia ao chulo ficou por conta da entrevista com Mr. Catra, personagem central do Profissão Repórter/Globo, de 14/08, e do funk feito por ele e semelhantes. As letras daquilo são tão chulas que pelo menos uma palavra foi censurada algumas vezes no programa. A palavra censurada estabelecia rima perfeita com os finais das palavras “preta” e “maçaneta”(!).
Conclusão: quando o emburrecimento toma conta de um povo, o chulo vira arte. Virou!
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
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