"UNIVERSIDADE E A TÁBUA DE SALVAÇÃO" Professor Roberto Boaventura analisa a política de cotas nas universidades
Na busca por um título a este artigo, tudo parecia já dito; afinal, preciso falar outra vez das cotas no ensino superior federal.
A expressão “tábua de salvação” vincula-se primariamente ao discurso religioso; o que não impede seu uso em outras circunstâncias. Diante da dificuldade de sintetizar esse momento num título por si abrangente, essa expressão caiu como luva.
A instituição “Universidade”, no Brasil, virou “tábua de salvação” social, ainda que falsa “tábua”; ou seja, é para a Universidade que ficou a tarefa de descascar o imenso abacaxi da desigualdade. E a Universidade – cada vez mais sem autonomia e minimizando por dentro a importância do mérito – tem engolido ordens e desordens da politicagem brasileira.
Dessa vez, o Senado acaba de aprovar as “cotas sociais” nas federais, mas vinculadas às raças; essas já aprovadas no STF. Agora, 50% das vagas estão “limpinhas” e reservadas aos alunos do ensino privado. A outra metade deve ser disputada a tapas e a tiros por alunos do ensino público, contingente bem maior e cada vez mais despreparado intelectualmente. Fato: a escola pública não tem mais nível. Dessas vagas, há percentuais para autodeclarados negros e índios. Também há reserva aos cidadãos de baixa renda familiar: algo até um salário mínimo e meio.
Pontos para me contrapor a isso tudo não faltam; aliás, sistemática e publicamente já me opus a qualquer política de cotas. Mas como outros articulistas, como, p.ex., Reinaldo Azevedo, já expuseram pertinentes e pontuais comentários da nova lei, ater-me-ei às origens do problema.
Mas antes de falar de origens, e antes que me comparem às vozes de veículos de comunicação sistêmicos, digo que nunca fechei olhos nem ouvidos para o conjunto das diferentes vozes que compõem a sociedade. Não estamos numa democracia?
Assim, posso concordar com certa voz num momento e da mesma discordar em outro. Muito diferente dos que estão patrulhados ideologicamente, eu estou livre desses nós. Por isso, posso até pensar! Logo, existir! Ser. Parece pouco ou óbvio? Não é.
Dito isso, vamos às origens. Oficialmente, e de chofre, elas estão no desembarque das caravelas de um contingente de miseráveis brancos e na primeira missa aqui rezada, em latim, a indígenas. Depois, nos chicotes e açoites da escravidão que tiniram por doridos séculos. Tudo isso, de forma “modernizada”, continua acontecendo todos os santos, mas malditos dias. O Egito praguejado parece ser aqui!
Já na contemporaneidade, com um sistema federal de ensino superior consolidado, a raiz do problema foi exposta. Nas federais, há mais ou menos vinte anos, vagas começaram a sobrar de seus vestibulares. Os candidatos não preenchiam quesitos básicos para ingressar num curso de nível – repito – de nível superior.
Ao invés de preservar o nível superior das universidades e ir à raiz do problema – ensinos públicos fundamental e médio sem qualidade – obrigaram as universidade a não mais eliminar ninguém, e sim a classificar candidatos, cada vez mais carentes de nível elementar. Não bastou. Tapando o sol com a peneira, e antes do tal do ENEM ser (mal) concebido, impuseram a política das cotas: primeiro raciais; agora, sociais.
Resultado: a raiz do problema continua podre; agora, está pronta para fazer desmoronar uma longa edificação chamada Universidade.
Detalhe: a responsabilidade da tragédia não é dos cotistas negros, índios e pobres. Todos são vítimas históricas; e a Universidade virou a “tábua de salvação” para essa histórica exclusão social. Que situação!
Por Roberto Boaventura da Silva Sá - Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
A expressão “tábua de salvação” vincula-se primariamente ao discurso religioso; o que não impede seu uso em outras circunstâncias. Diante da dificuldade de sintetizar esse momento num título por si abrangente, essa expressão caiu como luva.
A instituição “Universidade”, no Brasil, virou “tábua de salvação” social, ainda que falsa “tábua”; ou seja, é para a Universidade que ficou a tarefa de descascar o imenso abacaxi da desigualdade. E a Universidade – cada vez mais sem autonomia e minimizando por dentro a importância do mérito – tem engolido ordens e desordens da politicagem brasileira.
Dessa vez, o Senado acaba de aprovar as “cotas sociais” nas federais, mas vinculadas às raças; essas já aprovadas no STF. Agora, 50% das vagas estão “limpinhas” e reservadas aos alunos do ensino privado. A outra metade deve ser disputada a tapas e a tiros por alunos do ensino público, contingente bem maior e cada vez mais despreparado intelectualmente. Fato: a escola pública não tem mais nível. Dessas vagas, há percentuais para autodeclarados negros e índios. Também há reserva aos cidadãos de baixa renda familiar: algo até um salário mínimo e meio.
Pontos para me contrapor a isso tudo não faltam; aliás, sistemática e publicamente já me opus a qualquer política de cotas. Mas como outros articulistas, como, p.ex., Reinaldo Azevedo, já expuseram pertinentes e pontuais comentários da nova lei, ater-me-ei às origens do problema.
Mas antes de falar de origens, e antes que me comparem às vozes de veículos de comunicação sistêmicos, digo que nunca fechei olhos nem ouvidos para o conjunto das diferentes vozes que compõem a sociedade. Não estamos numa democracia?
Assim, posso concordar com certa voz num momento e da mesma discordar em outro. Muito diferente dos que estão patrulhados ideologicamente, eu estou livre desses nós. Por isso, posso até pensar! Logo, existir! Ser. Parece pouco ou óbvio? Não é.
Dito isso, vamos às origens. Oficialmente, e de chofre, elas estão no desembarque das caravelas de um contingente de miseráveis brancos e na primeira missa aqui rezada, em latim, a indígenas. Depois, nos chicotes e açoites da escravidão que tiniram por doridos séculos. Tudo isso, de forma “modernizada”, continua acontecendo todos os santos, mas malditos dias. O Egito praguejado parece ser aqui!
Já na contemporaneidade, com um sistema federal de ensino superior consolidado, a raiz do problema foi exposta. Nas federais, há mais ou menos vinte anos, vagas começaram a sobrar de seus vestibulares. Os candidatos não preenchiam quesitos básicos para ingressar num curso de nível – repito – de nível superior.
Ao invés de preservar o nível superior das universidades e ir à raiz do problema – ensinos públicos fundamental e médio sem qualidade – obrigaram as universidade a não mais eliminar ninguém, e sim a classificar candidatos, cada vez mais carentes de nível elementar. Não bastou. Tapando o sol com a peneira, e antes do tal do ENEM ser (mal) concebido, impuseram a política das cotas: primeiro raciais; agora, sociais.
Resultado: a raiz do problema continua podre; agora, está pronta para fazer desmoronar uma longa edificação chamada Universidade.
Detalhe: a responsabilidade da tragédia não é dos cotistas negros, índios e pobres. Todos são vítimas históricas; e a Universidade virou a “tábua de salvação” para essa histórica exclusão social. Que situação!
Por Roberto Boaventura da Silva Sá - Dr. Jornalismo/USP; Prof. Literatura/UFMT
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